5711.9 kms: conheça a história de César em Doha

11 de Setembro. Aviões. Médio Oriente. 5711.9 kms de distância. E uma história feliz. 

A 23 de junho de 2012 um deserto desvia a rota de César de casa. Até hoje, não há perspectivas de regresso do jovem à sua terra Natal. Do Marco de Canaveses ao Qatar, todos os mares se cruzam numa nova página, cheia de cores e cheiros, e gente de todas as formas e feitios. 

Licenciado em Educação Física e Desporto, pós-graduado em Educação Especial domínio cognitivo e motor. Qualificações não faltam a este jovem professor hoje com 28 anos (feitos a 11 de Setembro), que, na altura de todas as decisões, partilhava com os seus colegas a realidade a que já se habituaram muitos milhares de portugueses: um emprego precário. César não ficou colocado em nenhuma escola a tempo inteiro nesse ano lectivo. Ministrava algumas horas aqui e ali, nas AECs. Diziam os rumores que a vida dos professores estava difícil, e entre a comunidade do desporto era certo e sabido que as perspectivas para a classe eram ainda menos promissoras. César fez, então, o que milhares de outros jovens se viram forçados a fazer: decidiu enfrentar o espelho com a inevitável questão  “Sair ou não sair do país?” E fê-lo, não por desespero ou falta de pão, mas porque em Portugal não conseguia ser independente, ter uma carreira, uma casa, um futuro. Ia já a meio o ano de 2012, quando a oportunidade surgiu, por indicação de um colega.

pesou muito o fato de surgirem rumores de que as actividades de enriquecimento curricular, onde naquele momento trabalhava, iriam acabar. Foi ai que vi com bons olhos a possibilidade de ir para o estrangeiro trabalhar (…) e ao mesmo tempo viajar, que é uma das coisas que me dá mais prazer na vida. Então, como a minha situação profissional em Portugal não era muito “segura” comecei a procurar alternativas no estrangeiro, não tendo estas que ser obrigatoriamente na minha área e foi quando este open day surgiu.

César admite que no início se lançou a esta aventura por mera curiosidade e, em bom rigor, partiu para as entrevistas com a ideia de que mesmo que fosse aceite teria que reflectir muito e bem sobre o assunto. Deixar família e amigos não estava nos planos do jovem quando saiu de casa naquele dia. Mais tarde, porém, recebeu a notícia de que foi aceite para integrar a cabin crew na Qatar Airways. Ficou confuso…a balança dividia-se. Mas no final, pesou o “sim” e foi por ter o apoio incondicional da família e amigos que decidiu abraçar esta nova aventura.

Saiu do país já com contrato debaixo do braço.

A grande vantagem desta vida, conta-nos, é o facto de trabalhar a viajar, a conhecer novas culturas, a conhecer pessoas diferentes todos os dias. Poder visitar lugares remotos, paisagens que só apareciam nos ecrás da sua vida, todos os símbolos que os nossos sonhos nos trazem. Fazer disto o dia-a-dia é, para ele, um luxo. As vantagens são evidentes: maior bagagem cultural e mais independência. Além disto, aproveita todas as opotunidades para visitar amigos e familiares espalhados por esse mundo fora, coisa que só se faz com um emprego assim ou com uma carteira muito gorda.

A cidade onde vive, Doha, capital do Qatar, é uma cidade opulente. O jovem conta-nos que o povo Qatari faz transparecer toda a sua ostentação através de grandes carros (topo de gama), iates,

roupas e acessórios, e para não esquecer que maioria tem sempre em seu poder tecnologia de topo, a nível de telemóveis, ipads e outros gadgets. Para além disso, apesar de nunca ter estado no interior de uma casa qatari, diz que ouve falar da prosperidade do interior desses pequenos palácios, indicando um elevadíssimo nível de vida, onde acima de tudo reina um conforto de luxo. Resumindo, poder de compra é o que não lhes falta. 

No entanto, existe o outro lado da moeda, onde a maioria dos trabalhadores, principalmente os de construção civil são praticamente escravizados, ganhando uns míseros €300/mês e trabalhando infinitas horas debaixo de temperaturas insuportáveis. É dramático como se pode viver em condições miseráveis, onde se chegam a dividir um quarto por 6 ou 7 pessoas. Por outro lado, dá a sensação  se olharmos ao salário que ganham nos seus respectivos países (Índia, Paquistão, Bangladesh, etc) até ganham um excelente salário.

O Qatar é um país quente. As temperaturas estão acima dos 25 graus durante todo o ano e no verão atingem facilmente os 47, 48 graus aliadas a elevadíssimos níveis de humidade. É um país em grande crescimento a vários níveis, estando em foco o rápido crescimento a nível de infra-estruturas, proporcionando a que o país apresente argumentos válidos para organizar eventos sócio-culturais de projecção global (como é o caso do Mundial de Futebol 2022 e da candidatura aos Jogos Olímpicos, aqui sem sucesso).

Para começar é estranho não poder ou não se dever cumprimentar uma pessoa do sexo oposto com o habitual beijo na cara. Também não se pode andar de mão dada na rua com a namorada. Apenas se for casado isso é permitido. Pequenas coisas que para nós são banais mas que aqui não é de todo comum ver-se no dia a dia.

O Ramadão em Doha foi uma experiência a que César não pôde ficar indiferente: praticamente toda a cidade hiberna entre o nascer e o pôr-do-sol. Shoppings, restaurantes, serviços públicos, bancos, etc. Tudo reabre à noite em festa e esbanjamento. É totalmente proibido comer, fumar e beber em locais públicos enquanto houver luz do dia. No entanto, alguns hotéis abrem a excepção aos turistas para sua própria conveniência.

Na nossa conversa com este jovem, ficou clara uma ideia: os jovens não podem parar. Nunca. Devem procurar trabalho no que quer que seja, procurar explorar coisas fora da zona de conforto de cada um. Romper de vez com o “trabalhar só na área em que terminei a universidade”. Surgindo uma oportunidade noutra área, ele e pessoas como ele só têm mais é que seguir em frente e acreditar no seu potencial.

A SOLUÇÃO NÃO É UMA POÇÃO MÁGINA, É APENAS UM VOLTAR-SE PARA DENTRO E RECONHECER QUE, NO FINAL DE CONTAS, TODOS TEMOS POTENCIALIDADES E QUALIDADES E ALIADAS À HUMILDADE E AO ESFORÇO, FACILMENTE SE ENCONTRARÃO PORTAS ABERTAS NO MUNDO DO TRABALHO. É SÓ PRECISO TER A CORAGEM DE ESPREITAR.

O nosso entrevistado continua:

E essencialmente, nunca desistam, às vezes também preciso ouvir uns “não” só ajuda a fortalecer o teu carácter e se não desistires outras recompensas virão. E no meu caso, não trabalhar na minha área deixa-me uma certa pena, não vou mentir, mas penso neste passo que dei, não como um passo “atrás”mas um passo “ao lado”, que está a permitir desenvolver as minhas qualidades humanas, crescendo aos mais diferentes níveis.

Hoje, é um homem independente.  Fazendo da sua vida o que há uns anos nunca pensaria fazer. É daqueles que precisava disto, pois tinha a mãe sempre ali ao lado a fazer as coisas por si.

César deixa ainda um palavra de apoio e incentivo aos colegas de Educação Física: “continuem a lutar contra as adversidades que o governo nos vem colocando. Continuem a fazer com que a Educação Física seja vista com a devida importância. O vosso papel será fundamental para que a mentalidade das pessoas mude, que esta visão que nós, professores de educação física, tentamos transmitir no nosso dia-a-dia aos ouvidos de quem manda, que infelizmente parece que pouco percebe do assunto, tentando até, no limite, retirar a Educação Física dos planos curriculares da escola pública.”

FUTURO

Sair do Qatar não faz, para já, parte dos planos de César. Mas é certo que ele tem outros objectivos em mente. A Austrália, Nova Zelândia, Canadá ou Estados Unidos estão nos seus horizontes e retornar à sua área académica continua a ser um objectivo. Outra possibilidade é voltar a estudar e frequentar os mestrados de Treino de Alto Rendimento Desportivo ou Actividade Física e Saúde. Vamos ver o que o futuro lhe reserva.