Nuno Silveira Ramos – Macau

Nuno Silveira Ramos – Macau

“Uma voz portuguesa no extremo oriente”

Nasci no Huambo em 1964. Meia dúzia de anos depois da independência de Angola, abandonei o meu  país com um salvo-conduto temporário e viajei definitivamente para Portugal. Os estudos liceais, feitos aos soluços e nos intervalos da guerra civil angolana, foram retomados em Lisboa e Aveiro.
Foi em meados da década de 1980 que, por mero acaso familiar,  rumei ao oriente. E se Macau me abriu uma porta hospitaleira durante umas férias, a rádio abriu-me uma janela de oportunidade para ficar. Nada de muito mais forte me unia a Portugal, para além dos costados e das saudades familiares. Fui aprovado num concurso para locutores da Rádio Macau e passei para os quadros da Teledifusão de Macau.

Aproveitei todo o tempo livre para terminar o liceu, para estudar Comunicação Gráfica no Instituto Politécnico e Guitarra Clássica no Conservatório de Macau. Naquele território chinês sob administração portuguesa tinha a base perfeita para ir frequentando outras escolas da vida e, durante as férias, conhecer outros países, naquelas imensas  e ricas redondezas asiáticas. Ali, parecia haver sempre tempo e espaço (!) para mais qualquer coisa e dediquei-me a outros projectos pessoais.
Participei na primeira experiência musical de que há registo em Macau entre músicos portugueses e chineses, na primeira fusão de que há memória naquela cidade entre instrumentos ocidentais e instrumentos tradicionais de uma orquestra chinesa – A Outra Banda com o Grupo Tradicional Cheong Hong. Participei musicalmente numa acção de solidariedade para a criação de bolsas de estudo para crianças órfãs timorenses – Love From a Short Distance – num disco com músicos australianos, aborígenes, timorenses e do resto do mundo (Bono dos U2, inclusive).

Foram algumas experiências marcantes e que me enriqueceram pessoal e profissionalmente. Gostei de percorrer e palmilhar todo aquele “bairro do oriente”, aquela cidade de Macau que adoptei como se fosse minha, como se fosse aquela onde nasci e que fui obrigado a deixar em África, ou mesmo aquela segunda pátria que deixei para trás, ancorada no Tejo.
Tenho esta ideia de que tudo pode ser curricular porque tenho também a sensação de me ter ajudado mais a experiência pessoal do que propriamente me ajudaram as habilitações académicas no decorrer da minha carreira na rádio. E tudo junto acabava mesmo por desaguar na rádio, em programas que produzi ou que apresentava diariamente.
Durante umas férias na Malásia aproveitei para realizar uma reportagem sobre os “Portugueses de Malaca”, orgulhosos pescadores miscigenados ali residentes e, na maioria, ainda  descendentes dos velhos marinheiros do tempo dos Descobrimentos Portugueses, um programa que foi enviado para Lisboa e transmitido na RDP, Antena 1. Naturalmente, absorvi ao máximo os conhecimentos técnicos e noções estéticas que me foram transmitidos em acções de formação por grandes profissionais da comunicação social portuguesa que passaram ou habitaram Macau. Fui mantendo um descomprometido mas profissionalmente  obrigatório contacto com a realidade portuguesa, mais cultural e de lazer do que de cariz político. No fundo, não mais pensei num regresso a África ou à Europa. Fui permanecendo e conhecendo ao mesmo tempo, intensiva e pessoalmente, a flutuante comunidade lusófona de Macau, a minha audiência, na altura com cerca de 3000 habitantes e para a qual dizia diariamente “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”, através dos microfones da rádio.  Depois, explorava os outros grandes mundos que a cidade me oferecia, por jardins orientais, traçados ocidentalizados, ruelas e becos secretos, casinos lotados, bares e discotecas ou outros espaços mais ou menos aconselháveis, como escrevia Camilo Pessanha, indo até “oriente do Oriente”.

Quando cheguei, não calculava que estavam a começar negociações diplomáticas para a entrega administrativa do território à “mãe China”,  e em 1999 decidi partir por exclusivos motivos familiares.  Entretanto, Portugal foi sempre a ponte mais segura da minha vida, entre África e o Oriente. Aterrei em Lisboa, com algumas reticências quanto ao futuro…e mesmo apesar de ter retomado a profissão de radialista e locutor, elas  permanecem no presente…com mais um ponto de interrogação. Portugal será grande ou pequeno demais para mim? Há um livro de aventura verídica que recomendo ou publicito e que aborda a vida em adeus e em viagem, “Tartan, As Velas da Liberdade”, e que por acaso foi escrito por mim…